.

segunda-feira, 4 de março de 2013

ERIK SATIE: MÚSICO ROSACRUZ

A exemplo do que ocorreu ao longo da história com a filosofia, as ciências naturais e as artes pictóricas, o misticismo influenciou igualmente as personalidades que edificaram a história da música. O Rosacrucianismo, que notadamente permeia o pensamento de Francis Bacon, Comenius, Paracelso, Nicholas Flamel, Benjamin Franklin, Jacob Boehme e Thomas Jefferson, por exemplo, para ficarmos mormente no campo gravitacional de filósofos e estadistas, também alcançou ilustres musicistas. Por certo, os dois principais nomes ligados ao esoterismo rosacruz são os de Claude Debussy e Erik Satie. É a Satie (1866-1925) que dedicaremos hoje a nossa atenção.
Do ponto de vista musical, Satie é tido historicamente como o grande agitador que inspirou mais de uma geração de compositores franceses a renovar a manifestação musical de seu país, naquele momento envenenada pelo germanismo (sobretudo de Wagner), pelo excesso de academicismo e dominada pela influência da ópera. Portador de uma grande carga de gênio, Satie, através de sua atitude libertária, banhada em um perspicaz humor literário, abriu caminhos para que outros compositores, mais preparados tecnicamente, produzissem as obras máximas da música francesa.
O melhor da produção de Satie encontra-se nas suas miniaturas para piano, onde identificamos sua genialidade mais completamente manifestada. Era um grande improvisador e suas criações nasciam normalmente de inspirações súbitas movidas por estímulos não-musicais. Muitas de suas composições levam títulos humorísticos, mas é curioso notar, entre suas páginas mais apreciadas, a série de 6 peças para piano que levam o sugestivo nome de Gnossiennes (que poderíamos livremente traduzir por ‘Gnósticas’) que automaticamente nos leva a intuir a preocupação filosófica de Satie, fator igualmente preponderante em sua criação. Num popular cabaré parisiense chamado “Chat Noir” (Gato Negro), Satie conheceu Debussy, em 1890. No ano seguinte, iniciaram-se na fraternidade rosacruz recém reestruturada em Paris e que contava, entre os membros de seu Conselho Supremo, com os nomes de Stanislas de Guaita, Sâr Joséphin Péladan, o célebre místico Gérard Encausse (conhecido como Papus) e Augustin Chaboseau. Péladan, que mais tarde deixaria a Ordem por causa de divergências com Papus e fundaria a “Ordem da Rosacruz do Templo e do Graal”, defendia a ideia de que a arte tinha uma missão divina e era o melhor meio de efetivar a reintegração com Deus. A inclinação esotérica de movimentos artísticos como os pré-rafaelistas e os simbolistas aproximou os compositores naturalmente dessas fraternidades. Os artistas que as integravam buscavam uma reação aos excessos do romantismo e inclinavam-se, portanto, ao mundo do metafórico e do simbólico.
Dentro da fraternidade, Satie viria a desempenhar uma função semelhante à de mestre de capela, e dessa maneira produziu obras voltadas para a ritualística da ordem, como Le Fils des Étoiles (O Filho das Estrelas), escrita sobre argumento do próprio Sâr Peladan, Première Pensée Rose+Croix (Primeiro Pensamento Rosacruz) e Sonneries de la Rose+Croix (Sons da Rosacruz), que consta de três partes, a saber: Air de L’Ordre (Ária da Ordem), Air du Grand-Maître (Ária do Grande Mestre) e Air du Grand-Prieur (Ária do Capelão). Mais tarde, Satie iria fundar sua própria seita religiosa e aí continuaria a exercitar as excentricidades em que era pródigo.
Raul Passos




Nenhum comentário: