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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O Conflito das Liberdades


Conforme Regis de Morais, Agostinho se apropriou das conclusões gregas a respeito da concepção de liberdade política, ampliando-lhes radicalmente o significado.
Em Aristóteles já há uma teoria da vontade extremamente complexa e bem-elaborada. Ele associa a questão da ação com o problema da vontade e propõe uma série de explicações. O estagirita define o ato “involuntário” como aquele que é praticado sem que o agente conheça a causa externa que o determina; bem como estabelece que todo ato “voluntário” pressupõe certo conhecimento. Assim, chega a implicações éticas atreladas, no entanto, à idéia de que a vontade é exercida através de ações que se desenrolam na “polis” e o bem visado confunde-se com o bem de todos. Não existindo ainda a associação entre vontade e o que posteriormente veio a ser conhecido como consciência. No entanto, ele não fala nem de liberdade e nem de livre arbítrio, a não ser uma liberdade atrelada a um conceito político numa dimensão de coletividade e jamais mergulhada na individualidade.
Como uma “descoberta” agostiniana, a liberdade da vontade recebeu outro nome: “liberum arbitrium” – como uma manifestação da vontade que coloca o homem em contato com suas faculdades interiores, sem levar em conta o mundo político, para vir a ser vivida.
O bispo de Hipona percebeu diferença entre “querer” e “poder”, ao contatar que quando se decide fazer algo, ainda que não seja dada seqüência ao “querer”, mesmo assim já se praticou uma ação, através da “intenção” implícita e inegavelmente real. Então, a separação entre “querer” e “poder” constitui o rompimento com a teoria aristotélica da ação.
Para Agostinho, o objetivo da vida humana é a verdade, ou seja, Deus. Discernindo a existência do “homem exterior”, ligado ao mundo sensível, e o “homem interior”, como essência da natureza humana, ele percebera a necessidade de resistir às tentações do corpo, para atingir a beatitude e reconhecer na corporeidade não um mero “acidente” em nossas vidas. De tal forma que, sabendo que a diferença apontada acima quanto à natureza dos dois “homens” é meramente analítica, é preciso também entender que, se assim o é, deve-se justamente a que a ação é uma condição fundamental da contemplação. Ou seja, a vida ativa deve se submeter às exigências da vida contemplativa. Apesar de que, muitas vezes, desejando ardorosamente o bem, podemos cometer os piores erros. Pois, se na escolha da vontade existe clareza, não há garantia quanto à limpidez do caminho.
Ademais, analisando o problema do mal, Agostinho o considera como um fenômeno que diz respeito ao exercício da vontade, cuja fonte está na própria vida interior. Mas também nos diz que a vontade tem, de igual modo, em suas mãos, as chaves de nossa felicidade. O homem feliz, então, seria aquele que ama a “vontade boa” ou o desejo de viver corretamente com honestidade.
Ao concluir que o livre-arbítrio é a origem dos nossos pecados, Santo Agostinho também demonstra que a vontade livre é um presente da bondade divina; que tal vontade sempre deseja o bem, mas se o faz de maneira imperfeita, ocorre a falta.
Então, seu gênio nos presenteia com a idéia de que existe uma vontade que é sempre capaz de visar o Bem e de atingi-lo. Ele a chama de Graça. Donde pode-se divisar, conforme Etienne Gilson, a liberdade, enquanto estado daquele que, como antes da “queda”, está em sintonia com o Bem, através da Graça; e o livre-arbítrio, como capacidade de escolher e, portanto, de pecar.
No espaço político, aquele que foi escolhido pela Graça, no entanto, alei encontra condições para buscar a paz e gozar o Bem, no meio dos homens.
Os primeiros cristãos enxergavam a cidade dos homens como um instrumento repressivo, produto da própria situação dos homens. Em sua época, Agostinho também tem uma visão negativa do Estado, mas, num tempo em que a própria Igreja se defronta com a questão crucial do poder temporal, ele é levado a perceber que as fórmulas anteriores de recusa da vida política já não mais eram adequadas à sua época. É então que propõe uma teologia política que, partindo de conceitos teológicos, desse conta do desafio ao qual estava confrontado o pensamento cristão. Em decorrência, vemos que a política, bem como a cidade, perdem a importância que tinham no mundo antigo.
No plano teórico, Agostinho constrói duas cidades: a de Deus e a dos homens. Ao fazê-lo, buscava influenciar de maneira decisiva o pensamento político dos séculos seguintes.
Sucintamente, a cidade de Deus seria uma comunidade fora do tempo, dedicada ao amor, em nada relacionada às instituições humanas. Sem um signo visível, constituir-se-ia numa referência fundamental, distante, no entanto, da capacidade de compreensão racional dos desígnios divinos. Por sua vez, a cidade terrestre, com contornos definidos, claramente identificava-se como um Estado que torna suportável a vida dos eleitos de Deus; muito embora não fosse capaz de mudar a natureza humana, seria, todavia, capaz de dominá-la.
No fundo, Agostinho nunca se libertou de uma visão pessimista do Estado. Via a relação entre a Igreja e o Estado como marcada por forte e inevitável tensão. É somente com Santo Tomás de Aquino, faz-nos ver, por fim, Regis de Morais, que renasce a possibilidade de se pensar a dimensão puramente política da liberdade, sendo então um precursor da filosofia política renascentista.



Fonte:


MORAIS, Regis de. Estudos de Filosofia da Cultura, Coleção Filosofia. O Conflito das Liberdades: Santo Agostinho. Belo Horizonte. Edições Loyola, 1992, pp. 327-359.

2 comentários:

Adelson Tavares disse...

Olá Meu caro amigo Jorge PI, como andas, gostei do seu blog. Um abraço.
Adelson Tavares

Pinininho disse...

Adelson!

Que bom que você gostou do Pi Nininho!

O Pi Nininho agradece.

Um grande abraço!