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sexta-feira, 13 de junho de 2008

A APOLOGIA DO MESTRE SÓCRATES (por Platão, seu dileto Discípulo)




(A Morte de Sócrates. Quadro de David, concluído em 1787)


Pequeno Resumo (Jorge Pi)

da

"Apologia de Sócrates"

(Diálogo Platônico)


Sócrates inicia a sua defesa, dirigindo-se aos cidadãos atenienses e lhes fazendo notar que seus acusadores são mentirosos, sobremodo quando sugerem cautela quanto às suas habilidades de orador, a respeito das quais ele afirma não ser detentor e ainda acrescenta não saber absolutamente falar bem, a menos que isto signifique dizer a verdade.

Tendo sido essa a primeira vez a comparecer a um tribunal e já com a idade superior a setenta anos, faz lembrar aos presentes que não é conhecedor da linguagem ali empregada, pedindo então que o permitam falar como sabe, ou seja, sob a luz da verdade.

Divisando dois grupos de acusadores, os mais antigos e os mais recentes, delibera se reportar primeiramente aos mais antigos, considerando-os muito mais perigosos que os atuais. Mentores primeiros da falsa figura de um Sócrates objeto de julgamento de agora, pois, sem base, acusaram, geraram boatos inverídicos e criaram uma falsa imagem, quando delinearam um “(...) homem sábio que especulava as coisas do céu e investigava as de debaixo da terra e que conhecia o meio de deixar bons os argumentos ruins” (18b), levando a “(...) induzir outros a fazerem a mesma coisa” (19b); com a agravante de terem inculcado tais engodos na mente dos acusadores de agora, quando estes ainda eram, uns, crianças, outros, adolescentes, portanto, suscetíveis, todos, de acreditarem em tudo.

Aponta, ademais, nos escritos de Aristófanes, um certo Sócrates “(...) que se gaba de andar pelo ar e anuncia um sem-número de tolices de que”, afirma, “eu não entendo nem muito nem pouco” (19c). Além de se reportar, com espanto, à afirmação de que receberia dinheiro em pagamento, à moda dos sofistas Górgias, Pródico e Hípias, que comercializam o “Saber”, o que também não espelha a verdade, a despeito de que mesmo que o espelhasse, atestaria, ainda assim, uma enorme incongruência por “(...) possuir semelhante arte (...)” e “(...) ensiná-la por preço tão módico” (20c).

Continua, tratando da sua missão: Querofante, “(...) de uma feita, estando em Delfos, atreveu-se a consultar o oráculo”. “(...) Perguntou, de fato, se havia alguém mais sábio do que eu. Ora, a Pítia respondeu que ninguém era mais sábio” (21a). “Depois de ouvir aquilo, pus-me a refletir a sós comigo: que quererá dizer a divindade e que pretende insinuar? Tenho Plena consciência de não ser nem muito sábio nem pouco. (...) Mentira não pode ser (...)” (21c).

Então, após investigação minuciosa da real condição de ser sábio, dos que assim se proclamavam, Sócrates percebeu que o oráculo tinha razão, posto que todos se arvoravam de serem detentores de um saber que não possuíam, em última análise, e, assim, não eram sábios, face à incapacidade mesma de se reconhecerem ignorantes. “Parece, portanto, que nesse pouquinho, eu o ultrapasso em sabedoria, pois, embora nada saiba, não imagino saber alguma coisa” (21d), conclui.

Assim foi que Sócrates angariou um sem-número de inimigos, à medida que, a serviço do divino, interpelava a todos por quem cruzasse, com o intuito de despertar-lhes do seu real estado de ignorância. E eram abordados os políticos, os poetas, os artistas e os oradores. E sempre a mesma colheita de pretensa sabedoria, o que o levou a entender que “só o deus é sábio” e que “a sabedoria humana vale muito pouco ou quase nada (...)” (23a). Com efeito, alcançara apenas uma condição próxima à extrema pobreza material e a uma suscetibilidade às inimizades certas, fruto inevitável do pleno exercício da aludida missão.

Encerradas as considerações a respeito do passado, direcionou a palavra e o pensamento à figura ignóbil de Méleto, o seu atual adversário, cuja acusação consistia em que ele seria “culpado de corromper os moços e não acreditar nos deuses que a cidade admite, além de aceitar divindades novas” (24 b, 9-10 e 24 c, 1). Ora, nenhuma das partes que compunham a citada acusação tinha fundamento, o que fez com que Sócrates facilmente argumentasse lúcida e perspicazmente, diluindo todas as matizes de gravidade pretendida pelo acusador.

No que tange ao crime de corromper os moços, toma o próprio Méleto como um brincalhão inconseqüente. Em tempo, indaga quem, então, os deixa melhores, ao que inicialmente e de forma despropositada, responde: “as leis” (24 d, 13). Levando a Sócrates, em conseqüência, tornar a perguntar: “quem?” É, então, que o seu opositor cai em si e se corrige: “os juízes!” De tal sorte que, devido ao persistente instigar de Sócrates, Méleto desemboca a abranger, além de todos os juízes ali presentes, também os cidadãos reunidos ao redor e, por fim, todos os atenienses, menos um: Sócrates!

Diante de tamanho rebaixamento, Sócrates questiona, fazendo um paralelo, se seriam todos os homens que deixariam melhores os cavalos e um, ou alguns poucos, os tratadores, apenas, os que os estragariam, ou seria o contrário. Com isso, atestava a irresponsável indiferença de Méleto quanto à real preocupação com os moços, quando o que lhe impulsionava era, evidentemente, a caluniadora acusação, elaborada a todo o custo, contra Sócrates. Este admoesta que, mesmo que os tivesse corrompido, voluntária ou involuntariamente, mereceria a instrução e o ensino reparadores e não, necessariamente, a punição precipitada e irrefletida.

No que diz respeito à crença nos deuses, Sócrates culminava por argumentar em favor de si que, tendo deixado claro que acredita que existem deuses, como se sustenta a acusação de que ele é culpado por não acreditar nos deuses? “Positivamente, tudo isso não passa de pilhéria” (27 a, 8).

E quanto a “aceitar divindades novas”, Sócrates esclarece: “(...) confessas que eu admito a existência de coisas demoníacas e que as ensino, pouco importando se são novas ou antigas; o fato é que acredito em coisas demoníacas (...)” (27c, 6-9). Então, pode-se, com extrema facilidade, que se Sócrates acredita em coisas demoníacas, ele, necessariamente, acredita em demônios. E, se demônios são deuses ou filhos de deuses, então ele acredita nos deuses já constituídos.

Mais adiante, Sócrates delineia a natureza do seu daimond: “(...) a muita gente parecerá estranho que eu andasse pela cidade e me afanasse a aconselhar particularmente os outros, e nos assuntos públicos não tivesse ânimo de freqüentar as assembléias e dar conselhos à cidade” (31c, 7-11). A razão está em “(...) algo divino e demoníaco que se dá comigo e a que, por zombaria, o próprio Méleto se referiu em sua acusação. Isso começou desde o meu tempo de menino, uma espécie de voz que só se manifesta para dissuadir-me do que eu esteja com intenção de praticar, nunca para levar-me a fazer alguma coisa. Isso é que se opõe a que me ocupe com política. E, com toda a razão (...), se há muito tempo eu me tivesse ocupado com os negócios públicos, há muito, também, já teria deixado de existir, sem ter sido de nenhuma utilidade nem para vós, nem para mim” (31c, 11 até 31e, 2). Aí, então, reporta-se ao incidente do julgamento dos dez generais que, na batalha naval, não recolheram os mortos, no qual fora o único a se pronunciar contra a condenação, dentre todos o presentes no julgamento, por se tratar de evidente injustiça, se assim ocorresse. Por sorte, esse seu ato não o levou à morte, graças à súbita e providencial mudança de governo.

Continuando, diz: “trata-se (...) de uma obrigação imposta pela divindade, por meio de oráculos e de sonhos (...)” (33c, 5-7). É isto o que impulsiona Sócrates a ir de encontro dos que se dizem sábios sem o serem e em caráter individual e reflexivo. Nisto, distingue-se Sócrates da maioria dos homens. Tanto que o faz sugerir aos seus juízes, com fina ironia, mas também provido da mais pura honestamente, uma mudança radical à sua penalidade: mereceria algo bom, como convém a um benfeitor pobre que precisa ter livre todo o tempo para admoestar a todos. Algo como “(...) ser alimentado no Pritaneu (...)” (36d, 8-9), em lugar de qualquer vencedor das Olimpíadas, já que qualquer destes só proporciona aparência de felicidade, enquanto Sócrates, a verdadeira felicidade.

Em seguida, num lampejo de profetismo vê claramente e comunica sem rodeios os tormentos conscienciais subseqüentes dos seus desgraçados acusadores e os adverte do terrível erro que estão a cometer, como se, por um instante, fosse o próprio daimond a se manifestar em forma de palavra de verdade a transbordar na taça socrática do sacrifício derradeiro.

E o daimond é silêncio tumular e o incita a acatar a decisão de beber a cicuta. Pois é absolutamente impossível, para Sócrates, abandonar a filosofia ou abraçar o exílio, o que representaria algo infinitamente pior do que a própria morte: a anulação tácita de toda uma vida em busca da verdade. E o que é a morte, afinal? O sono definitivo e libertador? “Se a morte for isto, considero-a um grande lucro (...)” (40e, 2-3) A transição à consciência pura, plena e perene? “Se ao chegar alguém ao Hades, livre dos que se dizem juízes, e lá encontrar os juízes verdadeiros, conforme contam, a distribuir justiça (...) seria má, essa mudança?” (41a, 2-4, 6-7).

Por fim , como quem decide e não como quem é forçado a acatar, profere, solene e tranqüilamente: “(...) está na hora de nos irmos: eu para morrer; vós, para viver. A quem tocou a melhor parte, é o que nenhum de nós pode saber, exceto a divindade” (42a, 3-5).



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


PLATÃO. Apologia de Sócrates. Trad. Carlos Alberto Nunes. Pará: Universidade Federal do Pará, 1980, pp 43-73.

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