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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

“As Formas Elementares da Vida Religiosa” _ Émile Durkheim


(Resumo da Introdução e do 1º Capítulo)



Introdução

Objeto da Pesquisa
Sociologia religiosa e teoria do conhecimento


I

Durkheim se propõe analisar e explicar a religião primitiva com o intuito de divisar mais claramente a natureza religiosa do ser humano, em seu aspecto essencial e permanente.
A religião primitiva é diferente das formas mais elevadas do pensamento religioso, mas não é irreligião. Ela pertence ao real e o exprime. Por detrás das aberrações contidas na manifestação religiosa primitiva, esconde-se alguma necessidade humana, individual ou coletiva. Assim, não há religião falsa, todas são verdadeiras a seu modo, sendo igualmente religião.
Por razões de método, deve-se tomar para estudo a religião primitiva: é preciso começar pelo mais simples e, gradativamente, chegar ao mais complexo.
Como todas as religiões são comparáveis, há necessariamente elementos essenciais que lhe são comuns, são somente em seus aspectos exteriores, mas nos mais profundos, permanentes e humanos: o conteúdo da idéia de religião em geral.
Nas sociedades primitivas o tipo individual se confunde com o tipo genérico. Tudo é reduzido ao indispensável (essencial), àquilo sem o que não poderia haver religião.
Assim como a descoberta de Bachofen nos mostra que também havia o matriarcalismo como pedra angular da instituição familiar primitiva, assim também, dizem-nos os etnógrafos que na religião primitiva é estranha, em grande parte, a idéia de divindade. As forças que dirigiam os ritos primitivos eram bem diferentes daquelas que nos são tão comuns em religião, apesar de que aquelas nos facilitam o entendimento das que ocupam o primeiro lugar na atualidade.
As religiões primitivas não somente destacam os elementos constitutivos, mas também a explicam. É que, em sua simplicidade, as religiões primitivas são suscetíveis de serem mais entendidas, pois estão mais próximas às próprias motivações determinantes, sendo mais elucidativas quanto à sua real estrutura antropológica do que o pensamento religioso desnaturado por uma reflexão erudita. Como “para compreender bem um delírio e poder aplicar-lhe um tratamento, o médico tem necessidade de saber qual foi o seu ponto de partida”.
Com o decorrer do tempo as mitologias populares, bem como as sutis teologias sobrepujam aos sentimentos primitivos sentimentos muito diferentes que só imperfeitamente deixam transparecer a sua real natureza.
Este estudo é portanto uma retomada do velho problema da origem das religiões.
Porém, “como toda instituição humana, a religião não começa em parte alguma”.
As causas primeiras estão sempre presentes na própria religião e mais claramente evidenciadas nas religiões primitivas, em sociedades menos complicadas.
Eis porque buscar as origens: não por atribuir às religiões primitivas virtudes particulares, e na verdade são rudes e grosseiras, mas pela natureza instrutiva oriunda de seu próprio aspecto grosseiro, já que constituem experiências cômodas em que os fatos e suas relações são mais fáceis de perceber. Divisar, na complexidade, os seus elementos básicos, formadores, para melhor compreender a complexidade mesma. Não com a pretensão de esgotar o entendimento, mas com o propósito de lhe dirigir o percurso da elucidação.

II

“Não há religião que não seja uma cosmologia ao mesmo tempo que uma especulação sobre o divino”.
“Se a filosofia e a ciência nasceram da religião, é que a própria religião começou por fazer as vezes de ciências e de filosofia”.
Criação de um homem previamente formado, a religião também o formou espiritual, cultural e sociologicamente.
Há certas categorias do entendimento humano, como as noções de tempo, de espaço, de gênero, de número, de causa, de substância, de personalidade e de eficácia, dentre outras, que, como propriedades universais das coisas ou a ossatura da inteligência, são um produto direto do pensamento religioso, facilmente perceptíveis quando se analisam metodicamente as religiões primitivas.
Então, conclui-se que a religião é uma coisa eminentemente social ou, ao menos rica em elementos sociais. Ela exprime e representa a coletividade, através de ritos, que se destinam a manter ou refazer alguns estados mentais de uma determinada coletividade humana.
Por exemplo: o tempo, como indicativo da sucessão de momentos, abarca e põe em movimento regular não somente a história individual mas a de toda a coletividade humana, dando, através da criação de uma abstração genericamente convencionada, um sentido linear de conexão mental entre aquilo que se qualifica e se quantifica como passado, presente e futuro, relativamente à consciência humana.
Outro exemplo: para localizar as coisas é preciso dividir e diferenciar aquilo que se convencionou axiomaticamente se chamar espaço, com algo absoluto, sob a forma de certo padrão comum partilhado por cada e todo membro de uma sociedade, como acima, abaixo, ao leste, ao oeste, ao norte e ao sul, nitidamente um produto de origem social, coletiva.
“O princípio de identidade domina hoje o pensamento científico; mas há vastos sistemas de representações que desempenharam na história das idéias um papel considerável e nos quais ele é freqüentemente ignorado: são as mitologias, desde as mais grosseiras até as mais elaboradas”.
Há duas doutrinas que tentam ver a origem das categorias através de ângulos opostos: uma afirma que elas existiriam imanentes ao espírito humano e a outra que elas seria construções mentais humanas. Tais concepções há séculos se chocam uma contra outra.
Se admitirmos a origem social das categorias, uma nova atitude torna-se possível, permitindo escapar ao choque entre os empiristas e os aprioristas conceptuais.
A sociedade é uma realidade sui-generis; singular no universo. É o somatório dinâmico de uma imensa cooperação de multidões de espíritos os mais diversos, que nos legaram as combinações de suas idéias (saber) e ações (experiência) no transcorrer do tempo e no transmutar do espaço.
O ser humano é duplo: um individual e outro social. Na medida em que participa da sociedade, o indivíduo naturalmente ultrapassa a si mesmo, seja quando pensa, seja quando age.
Se, a cada momento do tempo, os homens não se entendessem acerca das idéias (categorias) essenciais, toda concordância se tornaria impossível entre as inteligências e, por conseguinte, toda vida em comum.
A sociedade não pode abandonar as categorias ao livre arbítrio dos particulares sem se abandonar ela própria. Ela necessita de um conformismo moral e um lógico, sem os quais ela não poderia viver, por isso ela pesa com toda a sua autoridade sobre seus membros a fim de prevenir as dissidências. Por isso é que é muito difícil nos libertarmos daquelas noções fundamentais e conservar a nossa consciência individual. Algo resiste a nós, dentro e fora de nós. Fora de nós há a opinião que nos julga; dentro de nós por simplesmente sermos representativos da própria sociedade interiormente.
A sociedade é a manifestação mais elevada da natureza. O reino social é mais complexo que o reino natural, porém está contido nesse último.


Livro I
Questões preliminares

Capítulo I

Definição do Fenômeno Religioso e da Religião

Para definirmos religião é preciso que nos libertemos de toda idéia preconcebida.
Definições correntes: por comparação com todas as forma de religião, há um elemento em comum que consiste na “crença na onipresença de alguma coisa que vai além da inteligência”, conforme disse Spencer. Max Müller via em toda religião “um esforço para conhecer o inconcebível, para exprimir o inexprimível, uma aspiração ao infinito”. Mas essas noções são muito recentes na história da religião.

I

A idéia de sobrenatural, tal como a compreendemos, data de “ontem”. Mesmo os maiores pensadores da Antiguidade Clássica não chegaram a tomar plenamente consciência dela. É uma conquista das ciências positivas.
Antes de existir a idéia de sobrenatural, os acontecimentos mais maravilhosos nada possuíam que não parecessem perfeitamente concebíveis.
Foi a ciência, e não a religião, que ensinou aos homens que as coisas são complexas e difíceis de compreender.
Conforme Jevons: o espírito humano não tem necessidade de uma cultura propriamente científica para notar que existem entre os fatos seqüências determinadas, uma ordem constante de sucessão, e para observar, por outro lado, que essa ordem é freqüentemente perturbada. O sol se eclipsa bruscamente; a chuva falta na época em que é esperada; a lua demora a surgir após o seu desaparecimento periódico. Como estão fora do curso ordinário das coisas, esses acontecimentos são atribuídos a causas extraordinárias ou extranaturais. Assim surge a idéia de sobrenatural, objeto próprio do pensamento religioso.
Fato sobrenatural não se reduz ao imprevisto. É preciso que ele seja concebido como impossível ou inconciliável com a ordem natural das coisas. No entanto, a religião quase sempre não se preocupa com as monstruosidades ou anomalias, mas com a beleza e o mistério do Universo, bem como o habitual na natureza: o movimento dos astros, o ritmo das estações, o crescimento anual da vegetação, da perpetuidade das espécies, etc.
A noção do religioso está longe de coincidir com o extraordinário e do imprevisto. E essa concepção das forças religiosas não é primitiva.
A idéia de mistério é criação humana, limitada a um pequeno número de religiões avançadas. Portanto, não se pode utilizar o conceito de mistério como característica genérica das religiões.

II

Outra idéia para se tentar definir religião: divindade. Diz Réville: “A religião é a determinação da vida humana pelo sentimento de um vínculo que une o espírito humano ao espírito misterioso no qual reconhece a dominação sobre o mundo e sobre si mesmo, e ao qual ele quer sentir-se uno”.
Mas são divindades as almas dos mortos, os espíritos de toda espécie e de toda ordem ?
Diz Tylor: “O primeiro ponto essencial quando se trata de estudar sistematicamente as religiões das raças inferiores é definir e precisar o que se entende por religião. Se se continuar fazendo entender essa palavra como a crença numa divindade suprema... um certo número de tribos estará excluído do mundo religioso. Mas essa definição demasiada estreita tem o defeito de identificar a religião com alguns de seus movimentos particulares... Parece preferível colocar simplesmente como definição mínima da religião a crença em seres espirituais”.
Esses seres espirituais são seres conscientes como as almas dos mortos. E por procedimentos psicológicos trata-se de convencê-los, comovê-los, seja por meio de palavras (invocações ou preces), de oferendas ou sacrifícios.
Mas ter como objeto regular nossas relações com esses seres especiais, através de preces, sacrifícios, ritos propiciatórios, é um critério muito simples e extremamente restrito de se definir religião. Que dizer do Budismo que se apresenta, em oposição ao bramanismo, como diz Burnouf, como uma moral sem deus e um ateísmo sem natureza ?
O budismo é uma religião sem deus. O essencial no budismo é o que é conhecido por quatro nobres verdades: “a primeira coloca a existência da dor como ligada ao perpétuo fluxo das coisas; a segunda mostra no desejo a causa da dor; a terceira faz da supressão do desejo o único meio de suprimir a dor; a quarta enumera as três etapas pelas quais é preciso passar para chegar a essa supressão: a retidão, a meditação e, enfim, a sabedoria, a plena posse da doutrina. Atravessadas essas três etapas, chega-se ao término do caminho, à libertação, à salvação pelo Nirvana”.
“Algo bem diferente ocorre com o cristianismo, que, sem a idéia sempre presente e o culto sempre praticado de Cristo, é inconcebível; pois é o Cristo sempre vivo e a cada dia imolado que a comunidade dos fiéis continua a comunicar-se com a fonte suprema da vida espiritual”.
Tudo o que precede aplica-se igualmente a uma outra grande religião da Índia, o jainismo. Tendo Jaina como exemplo de perfeição a atingir, não admitem um Criador, consideram o universo eterno, sem início nem fim, apesar de em alguns locais se referirem a Jinapati como espécie de Jaina Supremo, adotando, portanto aspecto deísta como no cristianismo.
O germe do ateísmo contido tanto no budismo como no janaismo, aliás, já estava contido no Bramanismo, do qual se originaram.
“...mesmo no interior de religiões deístas encontramos um grande número de ritos que são completamente independentes de toda idéia de deus ou de seres espirituais”. Como a orientação bíblica judaica que ordena à mulher viver isolada todo mês durante um período determinado, assim como também durante o parto, não tendo a menor ligação com uma adoração a Jeová.
“E essas proibições não são particulares aos hebreus, mas as encontramos, sob formas diversas e com o mesmo caráter , em numerosas religiões”. “É verdade que esses ritos são puramente negativos; mas não deixam de ser religiosos”.
“Assim, há ritos sem deuses e, inclusive, há ritos dos quais derivam os deuses”. “Portanto, a religião vai além da idéia de deuses ou de espíritos, logo não pode se definir exclusivamente em função desta última”.

III

Durkheim descarta as definições anteriores e se posiciona: a religião é um todo formado de partes. É um sistema mais ou menos complexo, diz ele, formado de mitos, de dogmas, de ritos, de cerimoniais.
A definição do todo não pode ser definido senão em relação às parte que o formam. Por método, que se procure compreender a complexidade da religião começando pela sua manifestação mais simples, mais elementar.
Percebe-se no sincretismo uma forma de assimilação de religiões em decadência por outra em plena atividade.
Os fenômenos religiosos classificam-se em crenças e ritos. As crenças são opiniões sobre a profanidade ou a sacralidade de algo em questão; os ritos são modos de ação determinada, que através de sua função se reconhece o seu objetivo.
“... O sagrado e o profano foram sempre e em toda parte concebidos pelo espírito humano como gêneros separados, como dois mundos entre os quais nada existe em comum”.
“A coisa sagrada é, por excelência, aquela que o profano não deve e não pode impunemente tocar”.
“As coisas sagradas são aquelas que as proibições protegem e isolam; as coisas profanas, aquelas a que se aplicam essas proibições e que devem permanecer à distância das primeiras”.
Um conceito de religião: É o conjunto de crenças e ritos no qual determinado número de coisas sagradas mantêm entre si relações de coordenação e de subordinação, de maneira a formar um sistema dotado de uma certa unidade, mas que não participa ele próprio de nenhum outro sistema do mesmo gênero.

IV

Relação entre magia e religião: “Os seres que o mágico invoca, as forças que emprega não são apenas da mesma natureza que força e os seres aos quais se dirige a religião; com muita freqüência, são exatamente os mesmos”.
Mas há uma repugnância da religião pela magia e uma hostilidade da magia pela religião; a magia profana as coisas sagradas, a religião vê a magia com desagrado. Há, nos procedimentos do mágico, algo de anti-religioso, no dizer de Hubert e Mauss.
Contudo, entenda-se: “... o mágico está para a magia assim como o sacerdote para a religião, e um colégio de sacerdotes não é uma igreja, como tampouco o seria uma congregação religiosa que prestasse a algum santo, na sombra do claustro, um culto particular”. “Uma igreja não é simplesmente uma confraria sacerdotal; é a comunidade moral formada por todos os crentes de uma mesma fé, tanto os fiéis como os sacerdotes. Uma sociedade desse gênero normalmente não se verifica na magia”.
Também há as religiões individuais que o indivíduo institui para si mesmo e celebra por conta própria; como nas ilhas Banks o melanésio tem seu tamaniu; cada Ojibway tem seu manitu pessoal; o romano tem seu genius; o cristão católico tem seu padroeiro e seu anjo da guarda. Será que essas religiões individuais não estão destinadas a forma eminente da vida religiosa e se não chegará o dia em que não haverá outro culto senão aquele que cada um celebrará livremente em seu foro interior?
No entanto há que se reconhecer que essas religiões individuais não são senão aspectos das religiões coletivas.
“Podemos definir as religiões tais como são ou tais como foram, não tais como tendem mais ou menos vagamente a ser”.
Definição de religião: “uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem”.
A religião é, de fato, uma coisa eminentemente coletiva.



BIBLIOGRAFIA


DURKHEIM, É.. AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA – O SISTEMA TOTÊMICO NA AUSTRÁLIA. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2000.


Jorge Pi

2 comentários:

ser disse...

voce me ajudou muito!!!!!!peso que fale do racionalismo em weber e marx. OBRIGADO

flaviocampos.sampa@gmail.com disse...

da obra pergunto em 11 itens,que fechario o seu resumo.
1- Quais os significados atribuidos pelo autor á expressão "as form.elem. da vida Religiosa.
2- Como que o autor justifica sua opção por estudar"as forms.elem....." tendo em vista seu objetivo de "compreender a natureza religiosa do homem"
3- Qual o objeto de estudo, isto é, os dados empírico que fundamentam sua análise advêm de que.
4- Como Durkheim justifica sua escolha de objeto de estudo.
5 Quais as crítica que Durkheim formula em relação a autores, que consideram as religiões primitivas falsas.
6- Quais as verdades e realidades que a religião de modo geral, e a primitiva, e o que expressam segundo Durkheim.
7- Na concepção de Durkheim as ideias fundamentais e constitutivas de todas as religiões, e a distinção de coisas profanas e sagradas,"Como Durkheim define estãs nocões e como explica a distinção do culto ou prática ritual".
8- A que Durkheim atribui essa eficçia do culto ou da pratica ritual.
9- Quais as duas funcões sociais que a religiãso preenchia.
10- Durkheim afirma que a moral é um aspecto eterno da religião."Porque".
11- Porque a ciência não pode tomar o lugar da religião,segundo Durkheim.
São este os pontos para refleção.
Obrigado
Flavio Campos