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domingo, 15 de maio de 2011

Da “DIDÁTICA MAGNA” de Comenius



Jan Amos Komenský (Comenius)


 (UMA APRECIAÇÃO DOS CAPÍTULOS
V, VI, VII, VIII, X, XI, XII, XIV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX E XXIV) 


1 – CRÉDITOS.

            A Didática Magna, ou A Grande Didática, é a obra-prima de Jan Amos Komenský, nome original de Comenius, que nasceu em 28 de março de 1592, na cidade de Uherský Brod (ou Nivnitz), na Moravia, região da Europa central pertencente ao antigo Reino da Boêmia (atual República Tcheca). Comenius também nos legou O Labirinto do Mundo (1623), Didactica checa (1627), Guia da Escola Materna (1630), Porta Aberta das Línguas (1631), Didacta Magna (versão latina da Didactica checa) (1631), Novíssimo Método das Línguas (1647), O Mundo Ilustrado (1651), Opera didactica omnia ab anno 1627 ad 1657 (1657), Consulta Universal Sobre o Melhoramento dos Négocios Humanos (1657), O Anjo da Paz (1667) e A Única Coisa Necessária (1668) entre outros.

2 – PLANO GERAL DA OBRA “DIDÁTICA MAGNA”.
 
            Publicada pela primeira vez na Opera Didactica Omnia (Amsterdam,1657), a Didática Magna (Didactica Magna) consiste na tradução latina da primitiva Ceská Didaktica (1632/33-1638), como parte de um conjunto mais vasto de obras (Ráj Ceský – Paraíso Boêmio; originalmente Ráj Cirkve, ou seja, Paradisus Ecclesiae renascentis: deveria compor uma Didática geral). Comenius decidiu traduzir a Didática tcheca para o latim e modificou algumas de suas partes, deixando de dedicá-la à “nação boêmia”, passando a dedicá-la a todos os que presidem os assuntos humanos, aos ministros de Estado, aos pastores das Igrejas, aos diretores das escolas, aos pais e aos preceptores dos jovens. Na tradução latina o Ráj Ceský se transformou em prefácio da Didática. A Didática tcheca nunca foi publicada durante a vida de Comenius. O manuscrito original foi encontrado em 1841 por J. Purkynë e foi publicado pela primeira vez em Praga no ano de 1849, por W. W. Tomek. Na tradução latina da Didática (que ficou pronta por volta de 1638) foram acrescentados os capítulos que dizem respeito à organização das escolas em cada um dos quatro graus: materna (cap. XXVIII), vernácula (cap.XXIX), latina (cap. XXX), Academia (cap. XXXI) e o capítulo sobre a ordem universal das escolas (cap. XXXII).
            Comenius mandou um exemplar a Hartlib e pediu o parecer do amigo Joachim Hübner, para saber se era pertinente publicá-lo como preâmbulo à pansofia. Hübner, conselheiro do eleitor de Brandeburgo, historiador, amigo de Hartlib, apresentou um parecer vasto, minucioso e absolutamente negativo. Ele imaginava encontrar uma obra totalmente diferente daquela que lera, então, passara a se opor ao projeto de sua publicação. Aliás, nas últimas cartas a Hartlib, não somente dissuadiu-o de publicá-la, mas também de difundi-la sem discernimento. Os motivos de tal parecer teriam sido dois: o primeiro é que a obra nem mesmo estaria pronta para ser publicada; o segundo é que não é adequada a introduzir a pansofia. Ademais, com referência ao mérito da obra, a maioria das pessoas ficaria irritada com a discrepância entre o título, demasiado penhorante, e todo o resto da obra; estando tão distante de ensinar a arte de ensinar a todos que até o momento sequer lhe parecia estar definido o que significa realmente ensinar, e no que o ensino difere das outras ações que, sobretudo por meio da palavra, são exercidas em proveito do homem pelo homem. As coisas que, nos capítulos iniciais, foram misturadas a respeito de Cristo, da bem-aventurança e outras questões cristãs, não questionados pela maioria dos cristãos, mas rejeitadas ou postas em dúvida pelos turcos, hebreus e pagãos, deveriam ser convencidos por argumentações melhores que as ali apresentadas.
            Em decorrência disso, por cerca de vinte anos, Comenius abandona o projeto. Mas o retoma por volta de 1658, colocando-o no início da Opera Didactica Omnia, publicada em Amsterdam, fazendo também em Ventilabrum Sapientiae uma defesa apaixonada da obra, em resposta às críticas impetradas por Hübner, com quem, no entanto, continuara mantendo afetuosas relações de amizade. A obra deveria iniciar-se com a definição de Didática e ensinar a arte de ensinar em si, e nada mais, não sendo dirigida aos doutos e sim ao povo, para o tirar da letargia geral do sono profundo. Assim, a Didática Magna (cujo método baseava-se em três princípios, quais sejam, analogia com o método natural, caráter gradual e cíclico do ensino e o vínculo entre palavras e coisas, indo do geral ao particular, da parte ao todo) fora publicada como havia sido elaborada vinte anos antes, tendo recebido de Leibniz, após a morte do autor, um parecer mais que positivo. Havia mesmo, em toda a extensão do livro, um sutil apelo aos eruditos, para que fundassem um Colégio capaz de elaborar livros “panmetódicos”, refletindo, assim, a exortação de Lutero quanto a ser o homem bom e sábio a relíquia preciosa e verdadeira do Estado.

3 – UM RESUMO DOS CAPÍTULOS V, VI, VII, VIII, X, XI, XII, XIV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX e XXIV.

            No capítulo V, Comenius propõe que as sementes da instrução, das virtudes e da religião estão, naturalmente, em nós mesmos. Não entendendo a natureza como a intrínseca degeneração depois do pecado, mas o nosso estado primitivo e original, ao qual haveremos de ser reconduzidos como no princípio. Tudo o que é existe para um fim e para que pudéssemos atingi-lo, fomos dotados dos órgãos e instrumentos necessários e de uma certa inclinação: o homem foi criado com aptidão para entender as coisas, para a harmonia dos costumes, para o amor a Deus acima de todas as coisas. E quais são, em nós, os fundamentos da sabedoria, das virtudes, da religião? Todo homem é imagem de Deus. Nosso pequeno corpo tem limites: a voz pouco alcança, a visão circunscreve apenas a altura do céu. Mas a mente não tem limites, ela é capaz de penetrar as mais infindáveis alturas tanto quanto as mais abismais profundezas. Os filósofos definiram o homem como microcosmo, uma síntese do universo na qual encerra em si todas as coisas por toda a extensão infinita do macrocosmo. A mente do homem é uma semente que contém em si a erva ou a planta.
            Na primeira infância e por toda a vida, os olhos, os ouvidos, o tato e a própria mente, em busca de alimento, sempre estão sendo levados para fora de si; pois, para a natureza ativa nada mais odioso que a preguiça e o ócio. Naturalmente, os incultos, sem esperança, admiram aqueles que eles consideram superiores. Porém, há diversos exemplos de autodidatas que, apenas com a orientação da natureza, a tudo conseguem alcançar. Mas, como a luz interna do homem não está acesa, ficando então suscetível às opiniões alheias, ele está como que em estado de suspensão provisória. No entanto, no dizer de Sêneca: “São inatas em nós as sementes de todas as artes, e Deus, nosso mestre, extrai engenhos do oculto”.
            Nos movimentos da alma são os desejos e os afetos que a fazem pender para um lado ou para outro. Se aos desejos e aos afetos não for atribuído um peso excessivamente grande só poderá seguir-se a harmonia e o acordo perfeito das virtudes, ou seja, um conveniente equilíbrio entre ações e paixões.
        Aliás, as raízes da religião estão no homem, pelo fato de que ele é a imagem de Deus. Isto é evidenciado também pelo exemplo dos pagãos, que, mesmo sem a orientação da divina palavra, conheciam a divindade, veneravam-na, desejavam-na, mesmo enganados quanto ao número e à maneira de cultuá-la. E como o Apóstolo Paulo diz: tudo posso naquele que me fortalece (Fp IV, 13), se um tenso broto enxertado em qualquer arbusto silvestre, germina e frutifica, porque não ocorrerá o mesmo num indivíduo, de modo apropriado? Abstenhamo-nos de limitar a graça de Deus. Ele está pronto a derramá-la sobre nós com prodigalidade. Se nós, enxertados em Cristo através da fé nos declaramos não idôneos do reino de Deus, como Cristo poderá ter afirmado sobre os pequeninos que deles é o reino de Deus? E por que nos remete a eles, dizendo que devemos mudar e converter-nos em criança, se quisermos entrar no reino dos céus (Mt XVIII, 3)? Para o homem é mais natural e mais fácil tornar-se sábio, honesto e santo pela graça do Espírito Santo do que desse progresso ser impedido pela sobrevinda perversidade, porque tudo volta facilmente à sua própria natureza. Ademais, a Escritura adverte que a sabedoria é facilmente divisada por aqueles que a amam. E, como disse o poeta Venosa: “Ninguém é tão selvagem que não possa melhorar, se der ouvidos, docilmente, aos ensinamentos”.
        No capítulo VI, Comenius, no intuito de mostrar que o homem, para ser homem, precisa ser formado, diz que a natureza dá as sementes da ciência, da honestidade, da religião, mas não dá a ciência, a virtude, a religião; estas são adquiridas com a prece, o estudo e o esforço pessoal. Ninguém pode se tornar homem sem disciplina. É próprio de Deus conhecer tudo, num único e simples ato intuitivo, mas ao homem e ao anjo não é dado este privilégio. Ninguém é realmente homem se não aprendeu a se comportar como homem, ou se não fora formado nas coisas que fazem o homem.
A educação é necessária para todos. Porém, na realidade, as pessoas mais inteligentes têm mais necessidade ainda da educação; porque a mente aguda, se não estiver empenhada em coisas úteis, ocupar-se-á com as inúteis e perniciosas, como se fora uma espécie de campo fértil que não é semeado com sementes de sabedoria e virtude. E o que são tanto os ricos como os pobres sem sabedoria, senão, os primeiros, porcos engordados com farelo, e, os segundos, burros de carga?
            No capítulo VII, vemos que a formação é muito fácil na primeira infância: ou melhor, só pode ser dada nessa idade. A condição do homem, assim, é muito semelhante à de uma árvore frutífera que pode crescer sozinha e dar frutos silvestres; porém, para produzir frutos doces e maduros é preciso o cultivo de um experiente agricultor que a plante, a irrigue e a pode. Com o homem dá-se o mesmo: por si só, cresce com feições humanas, mas não poderá tornar-se animal racional, sábio, honesto e piedoso se antes não forem nele enxertados, enquanto ainda jovem, os brotos da sabedoria, da honestidade e da piedade.
No capítulo VIII, Comenius adverte-nos da necessidade de toda a juventude receber uma formação conjunta nas escolas. Raros são os pais que sabem ou podem educar os seus filhos, tendo tempo suficiente para isto. Felizmente há pessoas escolhidas para instruí-los. Eminentes pela cultura e pela austeridade dos costumes: os chamados preceptores, pedagogos, mestres e professores. Tudo o que é necessário à administração doméstica, um pai de família confia a vários colaboradores: quando precisa de farinha, de carne, de bebidas, de roupas, de sapatos, de uma construção, solicita os serviços daqueles que o possam ser úteis; a quem recorrer quando o que se precisa é garantir a formação dos próprios filhos, senão aos mestres, em suas respectivas escolas, em meio ao estimulante convívio com outros jovens sequiosos do saber? As escolas, portanto, devem preparar, purificar, multiplicar a luz do saber e distribuí-la por todo o corpo da comunidade humana.
            No capítulo X, Comenius constata que a educação nas escolas deve ser universal. Todos devem aprender a conhecer os fundamentos, as razões, os fins das coisas mais importantes, que existem ou existirão. E é preciso garantir que ninguém se depare com alguma coisa tão desconhecida que não consiga sobre ela emitir um juízo moderado ou dela fazer um uso adequado. O prazer em Deus é o grau supremo de felicidade nesta vida, porque o homem, sentindo que Deus lhe é eternamente propício, não faz nem deseja outra coisa senão aquietar-se suavemente imerso na misericórdia. Finalmente, Deus, encarnando, ensinou que estas três coisas devem estar em todos e em cada um. Por isto, na escola é preciso ensinar a todos todas as coisas que digam respeito ao homem, ainda que depois uma delas venha a ser mais útil a um, e outra a um outro.     
            No capítulo XI, é constatada a inadequação entre os fins da escola e a realidade daquelas existentes até a época de Comenius. Corresponde a seus fins a escola onde as mentes dos discentes sejam iluminadas pelo furor do saber, onde os corações ardam de amor pela divindade, onde todos aprendam totalmente tudo. Lutero desejou que fossem edificadas escolas para a instrução de ambos os sexos e que o método do ensino infantil fosse mais fácil para que os pequeninos aprendessem com prazer. Mas as escolas em geral são espantalhos formadores de espíritos fracos e petulantes. Portanto, não é devida a preservação aos nossos pósteres uma educação aquém das finalidades a que devem estar atreladas.
          As escolas podem ser reformadas e melhoradas: este é o título do capítulo XII. Nele, Comenius propõe uma organização escolar na qual toda a juventude nela seja educada em todas as coisas que possam tornar o homem sábio, honesto e piedoso; cuja preparação seja concluída antes da idade adulta, bem como se desenvolva sem severidade e sem pancadas, mas com a máxima delicadeza, suavidade e de modo espontâneo; um ambiente no qual todos sejam educados para uma cultura não vistosa mas verdadeira; enfim, na qual essa educação não seja cansativa, mas facílima.
            Tendo como norma a idéia de que a ordem exata da escola deve ser inspirada na natureza e ser tal que nenhum obstáculo a retarde, no capítulo XIV, Comenius nos incita a procurar os fundamentos sobre os quais se possa edificar um método de ensino e de aprendizado. Os remédios contra os defeitos da natureza deverão ser buscados na própria natureza: a arte nada pode se não imita a natureza. Um peixe a nadar é um fato natural. Mas se o homem quiser imitá-lo deverá mover os braços em lugar das barbatanas e os pés em lugar da cauda. Isto porque as coisas artificiais ocorrerão com facilidade e espontaneidade, assim como ocorrem com facilidade e espontaneidade as coisas naturais.
          No capítulo XVI, Comenius nos fala sobre os requisitos gerais para ensinar e aprender ou de como se deve ensinar e aprender com a certeza de atingir o objetivo. Ele nos lembra que é Deus quem realiza tudo em todas as coisas. Aqueles que educam a juventude têm apenas a tarefa de espalhar bem as sementes das ciências nos espíritos e de irrigar cuidadosamente as plantinhas de Deus. E que a arte da plantação espiritual pode ser edificada sobre fundações tão sólidas que nunca possa falhar, mas apenas prosseguir com segurança.
           O capítulo XVII é dedicado aos princípios em que se funda a facilidade de ensinar e de aprender. Ali podemos ver que a educação dos jovens desenvolver-se-á facilmente se iniciada cedo; se ocorrer com a devida preparação dos espíritos; se proceder das coisas mais gerais para as particulares e das mais fáceis para as mais difíceis; se nenhum aluno for sobrecarregado com coisas supérfluas; se em tudo se proceder lentamente; se as mentes só forem compelidas para as coisas que naturalmente desejarem por razões de idade e de método; se tudo for ensinado por meio da experiência direta, para utilidade imediata e com um método imutável, único e assíduo.
         No capítulo XVIII, Comenius se ocupa com os princípios em que se fundamenta a solidez no ensinar e no aprender. De fato, é freqüente as pessoas se lamentarem de que uns poucos saem da escola com instrução sólida, enquanto a maioria sai apenas com um verniz superficial. E haverá remédio para esse mal? Certamente. Isto será obtido se só forem estudados assuntos de inquestionável utilidade, estando todos juntos, sem separação entre eles; se a tudo forem atribuídos sólidos princípios; se esses princípios forem muito aprofundados; se tudo se apoiar nestes fundamentos; se tudo o que precisar ser distinguido, for distinguido de modo bem claro; se tudo o que é posterior se fundamentar no que for anterior; se tudo o que tiver relação for relacionado para sempre; se a tudo for dada uma ordem que tenha relação com o intelecto, a memória e a língua; enfim, se tudo for consolidado com exercícios constantes.
          Comenius, no capítulo XIX, fala-nos sobre os princípios de um ensino rápido e conciso. Diz-nos que devemos imitar o sol, no céu, que é o exemplo mais sublime oferecido pela natureza.
No capítulo XX, vê-se o método para ensino das ciências em geral. São necessárias quatro condições para o jovem que deseje descortinar as partes mais obscuras das ciências. Que o olho da mente seja puro; que os objetos estejam próximos; que a atenção esteja viva; e que, com o devido método, todas as coisas sejam oferecidas interligadas à observação. Então será possível apreender tudo com segurança e rapidez. Assim, a regra áurea dos que ensinam deve ser que todas as coisas, na medida do possível, devem ser postas diante dos sentidos. E como os sentidos são fiéis colaboradores da memória, aquele que chega a saber graças à demonstração sensível sabe para sempre.
           Por fim, o método para infundir a piedade, Comenius nos dá no capítulo XXIV. A piedade é um dom de Deus. É dada a nós por obra e virtude do Espírito Santo, no entanto, age ordinariamente por meios comuns e elege como ministros os pais, os preceptores e os ministros da igreja, que plantam e irrigam com cuidado e atenção os renovos do Paraíso (I Cor III, 8). Procuramos Deus notando os sinais da divindade em tudo o que é criado. Seguimos Deus, então, entregando-nos completamente à sua vontade.
          O método para atingir esse fim compreende o seguinte: o sentimento de piedade deve ser incutido desde a primeira infância; tão logo aprendam a usar olhos, língua, mãos e pés, devem aprender a olhar os céus, a erguer as mãos e a pronunciar o nome de Deus e de Cristo, a ajoelhar-se diante de sua invisível majestade e a respeitá-la; serão conduzidos ao reino de Deus, aqueles que, na terra, caminharem com Deus; caminham com Deus aqueles que o têm sempre diante dos olhos, que o temem, que obedecem à sua vontade; portanto, que os jovens se habituem a referir a Deus, direta ou indiretamente, tudo aquilo que virem, ouvirem, tocarem, fizerem ou sofrerem; que aprendam desde o princípio da vida a ocupar-se principalmente com as coisas que conduzem diretamente a Deus, como o estudo das Sagradas Escrituras, os exercícios de culto e as boas ações; finalmente, como neste estado de corrupção do mundo e da natureza não realizamos tantos progressos quanto deveríamos, e se algum progresso realizarmos, a própria carne corrompida nos induza a uma atitude de soberba e comprazimento espiritual, em vista do qual nossa salvação corra grave perigo, é preciso ensinar oportunamente a todos os cristãos que as mais sérias de nossas ocupações e nossas obras nada serão por sua intrínseca proteção, se não formos socorridos pela perfeição de Cristo, Cordeiro de Deus que retira os pecados do mundo e em quem apenas o Pai se comprouve (só Cristo deve ser invocado, só nele se deve depositar confiança; a esse único salvador de todos os homens, com o Pai e o Espírito Santo, dirijam-se os nossos louvores e homenagens, bênçãos e glória, por todos os séculos dos séculos, assim seja.
                     
4 – APRECIAÇÃO CRÍTICA.

            Com o intuito de demonstrar a superioridade da Promessa de Redenção ou Regeneração diante da aparência de perenidade contida na degenerada e iníqua corruptabilidade humana, Comenius vislumbra, como remédio, a universalização da educação, norteando-se no entendimento de que tal intento facilmente pode ser concretizado, pelo simples fato de que as sementes da instrução, das virtudes e da religião estão, naturalmente, em nós mesmos, de sorte que o homem, para ser homem, precisa ser formado sendo que a formação é muito fácil na primeira infância: ou melhor, só pode ser dada nessa idade. Ele percebeu que uma formação universal e de caráter coletivo nas escolas daria maiores condições de os jovens serem bem sucedidos neste empreendimento, ao tempo em que teve a lucidez suficiente para constatar a inadequação entre os fins da escola e a realidade daquelas existentes até a sua época. Comenius, em muitos aspectos estava à frete de sua época. Quando a tônica era a coerção e rigidez, ele propôs bondade, piedade e tolerância, sem abrir mão do princípio da autoridade essencial a toda atividade docente, mas sem excessos de qualquer natureza. E para isso, o sentimento de piedade deveria ser incutido nas crianças desde a sua primeira infância e, concomitantemente, em todas as escolas cristãs, as Sagradas Escrituras deveriam ser o alfa e o ômega. Porém, por trás da característica cultural e de estilo, encontra-se um moderno em concepção e atitude, sendo nítida a presença do linguajar religioso como luminosa “letra” na qual uma pedagogia que privilegia o humanismo na educação e uma quase insuspeita autonomia se configuram intrinsecamente como seu “espírito”.

5 – BIBLIOGRAFIA.

COMENIUS. Didática Magna.Aparelho Crítico: Marta Fattori. Trad.: Ivone Castilho Benedetti. 2 ED São Paulo: Martins Fontes, 2002 (Coleção Paidéia).






quarta-feira, 4 de maio de 2011

Um pouco de Jean-Jacques Rousseau...






    
      No segundo parágrafo do terceiro livro de O Emílio, Rousseau nos diz que a origem da fraqueza do homem reside na desigualdade encontrada entre sua força e seus desejos, assim como são as paixões que o tornam fraco, pela exacerbação de diligências para atingir o contentamento, estando bem acima da quota de força dispensada pela natureza. Então, quem domina os seus desejos economiza prudentemente as suas forças; o que deveria ocorrer como regra salutar na idade entre 12 a 15 anos.
À filosofia de gabinete, Rousseau nos sugere apelar à experiência, incitando-nos a “ver” nos campos rapagões lavrando, amanhando, conduzindo o arado, carregando tonéis de vinho, guiando carroças “como seus pais”.
Com isso, o filósofo francês não pretende focalizar a força física, nela mesma, mas a capacidade do espírito de as suprir e as dominar.
            Tempo curto e precioso, o período dos 12 aos 15 anos! É o de maior força relativa de um indivíduo.
Deve-se procurar usar com sabedoria o excedente de faculdades e de forças desta idade para prover uma outra idade vindoura, ou seja, a criança robusta deve fazer provisões do supérfluo para o homem fragilizado de uma idade futura (economia da vida).
Os progressos na geometria podem servir de medida de inteligência, mas uma coisa é achar uma média proporcional entre duas linhas e outra é encontrar um quadrado igual a um triângulo dado.
A princípio as crianças são apenas turbulentas, depois se tornam curiosas (dos 12 aos 15 anos) e, se esta curiosidade for bem dirigida, advém o verdadeiro conhecimento; não como fruto de um desejo de reconhecimento, mas como desenvolvimento daquela curiosidade natural inerente ao homem.
Rousseau argumenta que, numa ilha deserta, o filósofo solitário nunca priorizaria o manuseio de livros e de instrumentos mecânicos; mas, por instinto natural, a própria ilha, em toda a sua extensão, não lhe seria desconhecida em todos os seus detalhes e nuances.
Na fragilidade e na insuficiência, cuidando para nos conservarmos, concentramo-nos dentro de nós; ávidos de expansão, no âmbito da potência e da força, lançamo-nos tão longe quanto possível; porém, há os limites intelectuais que se esbarram entre o espaço alcançado pelos nossos olhos e o mensurado pelo nosso entendimento.
É pelas sensações, como primeiros guias das operações do espírito, que devemos chegar às idéias. “A criança que lê não pensa, só lê; não se instrui, aprende palavras”.
A criança que se habitua a ficar atenta aos fenômenos da natureza, sem a imediata satisfação quanto à devida explicação de tal e qual fenômeno, com muita facilidade, tornar-se-á curiosa a ponto de tentar achar respostas por si mesma. A compreensão solitária é mãe do verdadeiro conhecimento. Nunca autoridade alguma deverá ser maior do que a própria razão.
Nada de globos e mapas, ensina-se geografia indo direto à natureza.
Atenção desperta para as impressões dos cinco sentidos obtidas na aventura da comunhão com o nascer e o por do sol, por exemplo: o frescor do ar, os primeiros traços de fogo rasgando a madrugada, tornando-se um incêndio no céu, a pouco e pouco revelar a face do astro-rei como um ponto brilhante a iluminar todo o espaço, fazendo sumir as trevas; ao cair da tarde, pelo contrário, o horizonte, o sol a se lhe entregar, a morte aparente a se consumar, num contundente dissipar das formas, das cores e das proporções.
Desse modo, reconhece-se a própria terra em que se vive e encontra-se beleza nela. Pela manhã, como efeito do orvalho noturno, os vegetais se apresentam com novo vigor, reluzentes ao nosso olhar, que se extasia com tão viçosas cores e efeitos óticos complementares. É Deus mesmo, o pai da vida, a nos saudar através da ação de Suas Leis, no cantar ininterrupto dos pássaros. Enfim, a meia hora de tal encanto nenhum mortal resiste.
O professor pretende impressionar o aluno com sua eloqüência e conteúdo, mas é no coração que se deve buscar o crédito do aprendizado. É através da experiência direta que se adquire o “sentimento” do conhecer. Como conhecer a natureza e seus caprichos se não for pela experiência de contato direto com planícies áridas, areias ardentes, rochas ásperos e sólidas, flores perfumadas, águas frias e fluidas, relvas moles e doces, e etc.?
Apresentar os objetos do conhecimento no momento certo, proferir uma pergunta lacônica e aguardar os passos pelo caminho das respostas. Ensinar com o silêncio, seguido de sugestões breves para reflexões livres, retomando o silêncio inicial, como exemplo.
Às indagações, reversões; de forma a promover esclarecimento através das interrogações às interrogações: ser um parceiro no conhecer, não um professor “sábio”.
Através de exemplos simples, descrever a complexa simplicidade dos fenômenos do mundo. Porém ter cuidado para não substituir a coisa pela sua representação.
Não pretender elevar as crianças ao nosso nível de mestres, mas nos elevarmos à sua condição de discípulos. “Ensinar a”? Não, “aprender com”?
Ao além, antes o aqui. Antes de ensinar a respeito das estrelas, localizar a casa, a rua onde se mora.
Referências domésticas são importantes e até imprescindíveis: à distância entre dois pontos, exemplificar através da casa de campo da família em ligação direta à casa da cidade.
Guiar sem interferir. Possibilitar aprendizagem com erros assimilados e corrigidos pelas próprias crianças.
Não ensinar quantitativamente, mas formar as mentes qualitativa e esclarescidamente.
Saber pouco e sem enganos é melhor do que saber muito equivocadamente.
Portanto, como podemos perceber, vale a pena ler Rousseau!

Jorge Pi