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sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Walter Benjamin - Os Cacos da História (Gagnebin, J.M.)






Os Anos do Exílio


A autora considera a vida e a obra de Walter Benjamin como tributárias de um fracasso exemplar; não obtendo nunca êxito nos seus amores ou em sua profissão. Suas obras foram “pequenas vitórias” e “grandes derrotas”, segundo suas próprias palavras.
O suicídio de Benjamin em 1940 concretiza um gesto por ele pensado em diversas ocasiões.
Os sete últimos anos de sua vida consistiram numa fuga contínua imposta tanto pela perseguição política quanto pela própria sobrevivência material. Um relatório detalhado de suas despesas, feito em 1937, faz-nos perceber em qual situação ele haveria de viver e trabalhar até a sua morte.
A sua principal obra (Paris, a Capital do Século XIX), introduzida teoricamente pelas suas teses Sobre o Conceito de História, permaneceu inacabada; assim como o seu Trabalho sobre as Passagens (Passagenarbeit), na qual havia pretensões de ser uma grande arqueologia da época moderna ou mesmo um estudo histórico-filosófico.
Para Benjamin, o impacto do tratado de não-agressão feito em 23 de agosto de 1939 entre Stalin e Hitler seria o começo do fim. O que propiciaria o desencadeamento de uma campanha anticomunista na França bem como uma grave crise de confiança na capacidade de resistência dos comunistas diante do fascismo.
Benjamin, apesar de completamente esgotado física e psiquicamente, tentou organizar uma revista literária em pleno Campo de Trabalhos Voluntários, próximo a Nevers, com o intuito de mostrar aos franceses a qualidade de seu nível intelectual, chegando a ministrar um curso de Filosofia a troco de três gauloises por participante.
De volta a Paris, escreve as teses Sobre o Conceito de História, mencionado acima, onde há uma tentativa de elaborar uma concepção de história afastada da historiografia tradicional da classe dominante bem como da historiografia materialista triunfalista.
Sua originalidade consistia num não contentamento com o tempo linear contido na historiografia oficial, buscando fundar uma historiografia que não fizesse do presente o resultado previsível de um desenvolvimento necessário mas que soubesse revelar o possível, assim no presente tanto quanto no passado.

Judaísmo e Materialismo

Walter Benjamin era interessado pela teologia judaica e, conflituosamente, também voltava seus pensamentos para a sua teoria materialista da produção cultural. Ambíguo, do ponto de vista político, seus ideais reformadores eram unicamente espirituais e focados na educação.
Opondo-se à esquerda socializante, no entanto compartilhava de sua crítica à sociedade burguesa. Ao mesmo tempo, discutia extensamente com seu amigo Scholem sobre a teologia e a mística judaicas.
Entre o “real” e o “utópico”, ele recusava a pensar que o Reino de Deus deva se concretizar na terra. No seu Fragmento Teológico-Político ele recorre justamente à figura do Reino para criticar as correntes judaicas e sionistas de esquerda que, após a instauração da república de Weimar, atribuía um potencial escatológico às lutas revolucionárias.
Em sua concepção, somente o Messias poderia concluir todo acontecimento histórico em razão de libertá-lo de sua relação com o próprio messianismo. Então o Reino de Deus não é o telos da dynamis histórica. Deve ser necessariamente percebida uma distância entre a reflexão teológica (judaica) e a crítica política (marxista). Apesar de que estas duas ordens só possam ser concebidas em conjunto.
Numa carta a Scholem, de janeiro de 1930, Benjamin fala sobre suas Passagens de Paris confessando a sua necessidade de ler Hegel e O Capital, como também Gide, Jouhandeau, Green e as disputas entre os surrealistas. Porém também lia Bloch e Lukács e autores como Julien Green ou Kafka.
De maneira irônica e lúcida, Benjamin disse que nunca pode pesquisar ou pensar senão num sentido teológico. Ou seja: de acordo com a doutrina talmúdica dos quarenta e nove níveis de sentido de cada passagem da Tora. Reivindicando assim a tradição mística, ele quer nos fazer notar que a crítica materialista não tem por fim chegar à verdade definitiva sobre uma obra ou autor; mas tornar visível camadas de sentido até então ignoradas.

A Verdade da Crítica

Todos os projetos acadêmicos de Walter Benjamin findaram em fracasso, quer por sua origem judaica, quer pelo seu engajamento político ou até pela crise financeira e econômica da república de Weimar iria atingir em cheio a classe média e mais obviamente um intelectual que vivia como escritor.
Além de ser filho de família abastada, o fato de ser “homem de letras” o levava, anacronicamente, a se esquivar da idéia de vender seus escritos e assim ter que vê-los transformados em mercadorias.
Benjamin era rico em artifícios para conseguir certos mecenas que o sustentassem e financiassem suas pesquisas.
Em 1925, ele vê sua tese de livre-docência na Universidade de Frankfurt recusada por absoluta incapacidade de formulação de um julgamento à altura do texto apresentado. Este fato acabou por liberar sua veia crítica do ensaísta. Sem mais nenhum escrúpulo, ele não mais poupa seus futuros colegas em nome de uma carreira e descarrega todo o seu ímpeto contra a “ciência literária burguesa” que, aliás, sempre detestara.
De início critica seu caráter a-histórico e apologético. Diz que aquilo que julgamos comum entre o passado e o presente, e que apressadamente designamos como a verdade do passado é sempre uma projeção de nós mesmos.
No que concerne à verdade da obra, o crítico Benjamin distingue o “teor coisal” (Sachgehalt), isto é, material e histórico, e o “teor de verdade” (Wahrheitsgehalt). A procura da verdade exige um decifrar paciente da distância histórica.
A mesma recusa de imediatidade caracteriza a teoria benjaminiana da alegoria, categoria central de sua obra a partir do ensaio A Origem do Drama Barroco Alemão (1925). A questão da alegoria aparece também no contexto do debate marxista sobre o realismo na arte, inaugurada na Alemanha no final dos anos 30. Benjamin é considerado o primeiro teórico a ter buscado a reabilitação da alegoria na época moderna.
Os ensaios de Benjamin sobre Baudelaire introduzem uma outra categoria essencial da modernidade, a categoria da “aura”, o melhor ainda, a perda da aura. Na época moderna, a arte é secularizada: o artista não é mais comparável a um santo e não mais se cultuam as suas obras.
Numa arte como a fotografia ou o cinema, a reprodutibilidade é parte inerente da produção artística. Torna-se, portanto, discutível a “originalidade” ou a “autenticidade” de uma obra por ser a primeira de toda uma série.

Memória e Libertação

Da crítica materialista benjaminiana sobre a literatura surge uma reflexão sobre a história, como um conjunto dos eventos do passado e como a sua própria escritura.
Benjamin retoma a crítica dos adversários do historicismo que o condenavam naquilo que justamente constituía sua força: um relativismo total. Ele aprofunda mostrando como o historicismo, sob a aparência de uma pesquisa objetiva, acaba por mascarar a luta de classes e por contar a história dos vencedores.

“A pesquisa histórica se curva às leis profundas da acumulação capitalista: seu objeto torna-se uma propriedade (cultural), a fonte de um enriquecimento (espiritual) do indivíduo” (pág. 56).

Então, a tarefa do historiador materialista deve ser a de saber ler e escrever uma outra história, uma anti-história, uma história a “contrapelo” ou a história da barbárie, sobre a qual sempre se impõe a da cultura dominante.
Mas para escrever a história dos vencidos exige a aquisição de uma memória não existente nos livros da história oficial. Como nos modos da busca proustiana do tempo perdido e da narração informativa do jornalismo moderno.
Como escreveu P. Szondi, a filosofia da história de Benjamin se desdobra no tempo paradoxal do futuro do pretérito. Ela também emprega uma noção de “salvação” (Rettung) em que marxismo e teologia se fundem.
Os cacos dos frágeis vasos quebrados e dispersos num amontoado de ruínas que abarcam os acontecimentos históricos devem ser observados e analisados com o intuito de reunificação dos diversos fragmentos sem escamotear as rachaduras, mas justamente investigar a real natureza e origem destas fraturas na história conhecida, oficial e pretensamente linear.

Resumo de Jorge Pi

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


GAGNEBIN, J. M. Walter Benjamin – Os Cacos da História. São Paulo: Editora Brasiliense, 2ª Ed. 1993.